02/11/2010

O Poeta


Sou um estrangeiro nesse mundo.
Sou um estrangeiro para minha alma. Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio. 
Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem gritando: “Eis o cego, demos-lhe um cajado que o ajude.” Fujo deles. Mas encontro outro grupo de moças que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: “É surdo como a pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo.” Deixo-as correndo. Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: “É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua.” Fujo deles com medo. E encontro um grupo de anciãos que apontam para mim com dedos trêmulos, dizendo: “É um louco que perdeu a razão ao frequentar as fadas e os feiticeiros.” 
Sou um estrangeiro e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim. 
Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis.
À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos.
E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda resposta um sorriso. Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça. 
Sou um estrangeiro e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma… 
E as aves do céu voam, pousam, cantam, gorjeiam e depois param, abrem as asas e viram mulheres nuas, de cabelos soltos e pescoços esticados.
E olham para mim com paixão e sorriem com sensualidade.
E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irónicos.
Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em versos, e em versos o que a vida põe em prosa.
Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria.


 Khalil Gibran.

7 comentários:

  1. Muito lindo, somos verdadeiros estrangeiros aqui, nossa terra esta prometida por Deus e lá sim esta a verdadeira morada dos que amam e propagam o amor.
    Abraços forte

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  2. Nossa, gostei demais e me identifiquei...
    Gostaria muito de convidá-lo para ver meu blog. Comentários são muito bem vindos! Ah, já estou seguindo você.

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  3. Isso é o que chamamos de "graça comum", Deus concede dons maravilhosos para seus filhos, sem requerer nada em troca, e, um desse dons é a poesia. Fazer com que as palavras falem não a mente, mas, à alma.

    Abraços,
    ADILSON

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  4. O Texto mostra como literalmente um poeta rasga o coração quando escreve!!!

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  5. Olá minha amiga querida!
    Eu acho que somos estrangeiros... aliás, às vezes acho que nem desse planeta eu sou...rsrs... Mas, o importante é sabermos que somos cidadãos do mundo e nele percorremos buscando nossa identidade e nossa cidadania. Acho que nossa pátria está nesse grande mundo que temos em nós mesmos...reconhecendo as pessoas que integram nossa vida e que fazem dela uma grande viagem...entre mundos, entre países, entre planetas...
    Mais uma extração bela e que toca o fundo da alma!
    Grande beijo, minha linda Alba!
    Jackie

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  6. Anônimo17:24

    Gostei muito, pura poesia, porque traduz o olhar mais reservado da alma. Parabéns!!!

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  7. Minha querida,
    Me vi nas espumas flutuantes do Líbano!
    Belo. Belíssimo!
    Me faz lembrar dos filhos da "ânsia da vida, por ela mesmo".
    Belíssimo!
    Beijo querida.

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